terça-feira, 5 de março de 2013

"O peixe é pra o fundo da rede..."


Por José Garcia Lima, da Direção Executiva da CUT-RJ

Década de 40 do século passado, a música de Herivelto Martins e Marino Pinto, Segredo, fazia um enorme sucesso, cantada pela Dalva de Oliveira. ‘Primeiro é preciso julgar, pra depois condenar.” Assim encerravam os versos que registravam a queixa da mulher acusada sem provas e sem direito à defesa! O cancioneiro registrou assim o que passou a ser dogma popular: condenação é resultado de julgamento, não o antecede.O Dom Joaquim tem idade suficiente para ter cantarolado a música citada. Nem precisava da sua enorme cultura jurídica para saber que não é crível condenar sem o julgamento ocorrido. No entanto, não é o que tem feito na Ação Penal 470. Aceitou as condenações resolvidas por setores da mídia tradicional em 2005 e tratou de apenas consumá-las..

Senão, vejamos alguns fatos: o não desmembramento da ação; a recusa da presunção de inocência; o ignorar de provas constantes dos autos; a inferência de provas a partir de fatos distorcidos e a adoção de teoria interpretada conforme a determinação de condenar!

Por partes.

Desmembramento da ação: dos trinta e oito réus, apenas 3 tinham direito a foro privilegiado. Todos os outros deveriam ser julgados em primeira instância e chegarem ao STF conforme o andamento dos recursos. Qual o interesse por trás da violência de negar aos réus a instância do recurso? Por que julgar logo em última instância e, assim, recusar o direito ao segundo julgamento?

A recusa da presunção da inocência: desde as primeiras manifestações do atual presidente do tribunal, relator na ação em causa, ficou evidente que a presunção que o guiava era a de culpa dos réus. A rigor, o relator fez papel de assistente da acusação, empenhado em corrigir o que considerava fragilidades da peça de acusação apresentada pelo PGR, Roberto Gurgel. A sua providência de “fatiar” e “inverter” a acusação, explicitada na primeira sessão do julgamento, com a justificativa de que facilitaria a compreensão de sua “estorinha”, na expressão usada pelo próprio relator, desvela a intenção cabal de condenar a qualquer custo!

Ignorar as provas constantes dos autos : o Dom Joaquim estruturou os crimes, todos, a partir de suposto desvio de setenta e tantos milhões de reais do Banco do Brasil. Primeiro, o dinheiro que aponta não pertencia ao Banco do Brasil ou saiu dos seus cofres. Era dinheiro da Visa Net, empresa de caráter privado, constituída para promover vendas do Cartão Visa. Segundo, o dinheiro que ele afirmou ter sido desviado foi todo utilizado em campanhas promocionais do cartão. Terceiro, que o réu que ele aponta como o responsável pelo desvio do dinheiro sequer autorizava despesas, mas, como Diretor de Marketing do BB, apenas planejava as campanhas.

 Tudo isso – a propriedade dos recursos, a demonstração da utilização do dinheiro e a alçada da direção de marketing – está documentado sobejamente no processo! A Revista Retrato do Brasil, em sucessivas reportagens, tendo como fonte apenas os autos do processo, tem apontado provas suficientes para desmontar completamente os argumentos apresentados no relatório. Isso apenas sobre o suposto desvio de dinheiro do Banco do Brasil. Vale também para as acusações ao então presidente da Câmara dos Deputados, de aquisição fraudada de serviços de publicidade institucional. Ou para a questão dos empréstimos bancários com os quais o PT financiou despesas apontadas no processo. Repito: as provas constam dos autos!

A inferência de provas ,após uma análise criteriosa, é mérito, merece aplauso, seja lá quais forem as circunstâncias. Mas, na Ação Penal 470, as inferências de Dom Joaquim façam-nos o favor! O insigne relator pretendeu provar que houve coincidência entre os saques de recursos por parlamentares acusados de receberem dinheiro na venda de seus votos quando de votações de matérias de interesse do governo. Algumas vezes, durante o julgamento, mencionou isso. Sempre que o fez valeu-se de dois fatos notáveis, as sessões em que foram apreciadas as reformas tributária e da previdência. Dizia que houvera compra de votos para aprovarem os projetos encaminhados pelo governo.

 Dá-se que, nas duas ocasiões, por misteres que a vida raramente registra, decorrentes de circunstâncias especialíssimas, tanto os parlamentares da base governista como a significativa maioria dos de oposição votaram com o governo! Fica a intrigante equação: o governo comprara votos de quem habitualmente votava com ele, pois compunha a base governista, e não comprara os votos dos que sempre votavam contra, mas nessas ocasiões votavam a favor. Só o Dom Joaquim para argumentar de modo tão confuso e concluir, ainda assim, que isso provava a tal compra de votos!

A teoria do domínio do fato, conforme Dom Joaquim: o José Dirceu, no lugar que ocupava no governo e com o poder que tinha, não podia ignorar a prática da compra de votos. E se não ignorava, certamente era o mentor. Foi assim, com essa construção simples e arrevesada, que o relator concluiu que havia uma quadrilha e que ela tinha chefe! Foi preciso que a maior autoridade mundial na teoria, um jurista alemão, aparecesse e dissesse que a coisa não era bem assim, para que surgissem algumas poucas contestações diante daquele absurdo. Pois disse o teórico: não há qualquer hipótese de que se prescinda de provas para condenar. A teoria autoriza que se investigue a partir da evidência de que determinadas circunstâncias admitam a possibilidade de alguém praticar determinado ato, mas, a partir disso, é imperativo que se encontre provas dos fatos. Melhor assim, não?

Pois o que se verifica, então, é que Dom Joaquim, contrariando a cultura popular e a exigência legal – primeiro, é preciso julgar, pra depois condenar! –, se prestou a aceitar a condenação prévia e a providenciar o julgamento necessário. Os seus pares, em maioria, tão absurdamente quanto, acataram.
Esse STF...

Nenhum comentário:

Postar um comentário