domingo, 1 de setembro de 2013

Autocrítica da Globo tem o valor de uma nota de três reais

Demorou quase meio século para as Organizações Globo reconhecerem timidamente que o apoio ao golpe militar de 1964 foi um mero "erro editorial" . Num texto repleto de senões e ressalvas, a nota publicada na noite deste sábado no site do jornal presta grande homenagem ao cinismo e à dissimulação. Na sua tentativa desesperada de entregar os anéis para preservar os dedos, a Globo, embora se renda aos manifestantes que gritam nas ruas "A verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura", apela para o contorcionismo retórico e para contextualizações históricas desfocadas da realidade para justificar o apoio ao golpe.

Nessa toada, não existe diferença entre as razões para a quebra do ordem constitucional até hoje brandidas por trogloditas como Carlos Alberto Brilhante Ustra  e as apresentadas pela Globo : gestação de um golpe de esquerda por parte de Jango, sindicatos e setores nacionalistas das forças armadas; perigo de instalação no Brasil de uma república sindicalista; quebra de hierarquia nos quartéis e guerra fria opondo o leste e oeste do mundo - capitalismo e comunismo. A Globo também se escuda nos seus irmãos siameses da grande mídia, lembrando que Folha e Estadão também apoiaram a derrubada do governo constitucional. Grande novidade !

Quando aponta um risível compromisso histórico de Roberto Marinho com as causas democráticas, o texto omite um sem número de episódios nos quais "Dr. Roberto" cerrou fileiras ao lado de golpistas e setores entreguistas, antidemocráticos e antinacionais, como na campanha que levou ao suicídio de Vargas, a cassação do registro do Partido Comunista e a fraude do debate Lula x Collor, em 1989.Quem  não se  lembra ainda da postura da Globo de claro boicote à campanha das Diretas Já e da tentativa de fraudar a eleição de Leonel Brizola, em 1982, no escabroso caso Proconsult ?

Outro problema grave da nota é a confrontação dos seus termos com o passado mais recente do país e com o presente.A profissão de fé extemporânea da Globo na democracia como valor absoluto e seu "compromisso perene com valores democráticos" viram pó diante da realidade.

Se a Globo tivesse compromisso perene com os valores democráticos, respeitaria o pluralismo e a diversidade cultural e regional da sociedade brasileira e não se bateria, sobre pau e pedra, pela manutenção do monopólio que controla todo o aparato midiático brasileiro.

Se a Globo tivesse compromisso perene com os valores democráticos, se renderia à sua condição de concessionária do poder público, e não praticaria um jornalismo tão mesquinho e partidarizado, sempre voltado para a defesa dos interesses da elite, da Casa Grande, em detrimento do povo brasileiro.

Se a Globo tivesse compromisso perene com os valores democráticos, não criminalizaria movimentos sociais e não estimularia a rejeição e o preconceito contra a atividade política.

Se a Globo tivesse compromisso perene com os valores democráticos, não usaria de dois pesos e duas medidas na veiculação de matérias relacionadas à política e à economia. Vale tudo para desacreditar e desmoralizar partidos e governos de esquerda, ao mesmo tempo em que varre para debaixo do tapete tudo que possa abalar a imagem dos aliados do bloco conservador e de direita.

Se a Globo tivesse compromisso perene com os valores democráticos, não assassinaria sem provas reputações dos que não rezam na sua cartilha político-ideológica e não teria transformado um julgamento de desafetos num circo midiático.

Se a Globo tivesse compromisso perene com os valores democráticos, não chegaria ao ponto de derrubar a grade de programação para apostar na manipulação de manifestações populares.

Se a Globo tivesse compromisso perene com os valores democráticos, não faria das tripas coração para interditar o debate sobre a democratização da mídia no Brasil, sempre usando o torpe argumento de que querem censurá-la.

Por tudo isso, a autocrítica da Globo está longe de me comover. Para mim, ela tem o valor de uma nota de três reais.




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