quinta-feira, 2 de julho de 2015

Cunha e a miséria civilizatória

Nem nos mais sombrios períodos da ditadura militar, ou mesmo no Estado Novo varguista, a Câmara dos Deputados foi presidida por um deputado tão flagrantemente desqualificado para o cargo como Eduardo Cunha. Desprovido do mínimo de consciência democrática e convicção republicana, sua presença no comando da Câmara só contribui para degenerar e desmoralizar ainda mais um poder já mal visto pela população.

Ser conservador até a medula é o menor problema de Cunha. Em todas as democracias do mundo encontramos progressistas e conservadores, fisiológicos e republicanos, reacionários de direita e esquerdistas, liberais e estatistas. É do jogo democrático e expressa as diferentes correntes políticas e ideológicas da sociedade.

Os dois episódios ocorridos em menos de 15 dias, nos quais depois de derrotado Cunha tramou na calada da noite e repetiu a votação do mesmo tema no dia seguinte, não encontram paralelo na história do parlamento brasileiro. Tanto em relação à questão do financiamento das campanhas como na redução da maioridade penal, Cunha rasgou sem cerimônia o regimento da Câmara e atropelou as regras básicas que sustentam o funcionamento de qualquer parlamento : a palavra empenhada e os acordos firmados.

Sua mente deformada por um autoritarismo doentio desconsidera preceitos democráticos fundamentais. Ao impedir a entrada de pessoas nas galerias para acompanhar as votações, ele nada mais faz do que expressar seu desprezo pela participação popular e pelo fato óbvio de que a Câmara  não pertence aos nobres deputados, mas sim ao povo que elege seus representantes. Pressionar deputados, portanto, é um direito do eleitor.

Cunha na presidência da Câmara é a consagração do atraso social e político. É um monumento à regressão civilizatória e um atentado permanente à laicidade do Estado. Haja vista a pauta das trevas que estimula, os projetos obscurantistas que desenterrou e faz tramitar na Câmara, alguns até em caráter de urgência. Para completar o desserviço à causa republicana, Cunha nomeou irmãos de fé evangélica para cargos-chave na estrutura da Câmara.

Em 1993, o eleitor brasileiro foi convocado a decidir através de plebiscito se desejava continuar no regime presidencialista ou mudar para o parlamentarismo. Ganhou o presidencialismo com mais de 70% dos votos. Só alguém que padece de um  déficit abissal e insanável de compromisso democrático pode tramar contra a vontade da população brasileira e articular a votação de uma emenda parlamentarista pela Câmara. E o PIG noticiou essa movimentação golpista de Cunha da forma mais natural. Também é aquela história : de onde menos se espera ... é que não vem nada mesmo.

Enrolado na Lava Jato e com um histórico alentado de denúncias e processos judiciais, Cunha, com seu telhado de vidro gigantesco, conta com o apoio da mídia mais canalha do planeta para solapar o governo da presidenta Dilma, inclusive, pausa para risada como diz o Paulo Nogueira, fazendo cobranças de natureza ética e moral.

O problema é que Cunha não está só. Ele cavalga impulsionado por um sentimento de intolerância e de ódio que hoje envenena o Brasil. Os 300 e poucos votos que o golpe da redução da maioridade obteve na noite desta quarta-feira, 1 de julho, são reveladores de que para a Câmara dos Deputados o céu é o limite para a liquidação dos direitos mais comezinhos da cidadania.

Diante da preocupação extrema com o presente e com o futuro do país, não há como não lembrar da seguinte pergunta metafórica : quem sai vencedor numa corrida entre um tubarão e um cavalo ? Depende, é claro, da raia de disputa, se no mar ou na terra. Ou seja, nesse Congresso democratas e progressistas perderão todas. Mas, nas ruas, na sociedade e nas redes têm chances de virar o jogo. Não há tempo a perder.  




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