sábado, 4 de julho de 2015

Pablo Villaça : caso Maju está ligado a 'crescimento da atmosfera fascista capitaneada pela neodireita'

Publicado no DCM

Ao contrário do que a revista VEJA afirmou em uma matéria de capa há algum tempo, o racismo não acabou no Brasil. Ao contrário: encontra-se em uma de suas fases mais intensas se considerarmos os últimos 30 anos. A diferença é que sua vítima mais recente é famosa. Estou falando, claro, de Maju Coutinho, a jornalista do Jornal Nacional que hoje recebeu dezenas de mensagens absolutamente odiosas através de redes sociais. Isto, claro, inspirou mais uma daquelas hashtags bem intencionadas -‪#‎SomosTodosMajuCoutinho‬ – que, temo, provocam também certa apatia ao criarem a ilusão de que fizemos algo de relevante quando, na realidade, apenas ocupamos os Trending Topics do Twitter por algumas horas.



O fato é que este recrudescimento da intolerância no país está diretamente ligado ao crescimento de uma atmosfera fascista capitaneada pela neodireita – e onde o fascismo ganha força, ganham força também o racismo, a misoginia, a homofobia, a xenofobia e o ódio de modo geral.
E a única forma de combatê-los é enfrentando os fascistas. Não se calando.
Todos os dias recebo mensagens de leitores dizendo que pararam de escrever sobre aquilo em que acreditam por não aguentarem mais os insultos. Infelizmente, quando nos calamos, eles se tornam mais fortes e a intolerância cresce. Não podemos permitir isso.
Enquanto isso, hashtags como #SomosTodosMajuCoutinho (pronto, usei duas vezes), embora positivas em seus propósitos, levam ao sentimento de dever cumprido, mas são falsas em sua essência. Não sou Maju Coutinho. Não sei o que é ser mulher ou negra. O que é viver com medo de assédio ou sofrer insultos constantes.
Há alguns meses, quando estava em Nova York para o festival de Tribeca, passei por uma experiência que me fez perceber esta distância entre realidades: numa estação do metrô no Upper West Side (uma região habitada por quem tem mais dinheiro), decidi caminhar em direção ao meio da plataforma para ficar mais próximo da saída quando descesse do trem. Enquanto caminhava, notei uma mulher (branca, loira, olhos azuis) que, a alguns metros, me encarava. Ao me ver aproximando, ela puxou para si as duas crianças que a acompanhavam e me olhou com expressão óbvia de medo.
Provavelmente, viu em mim um latino com aspecto ameaçador. E me julgou pela aparência e reagiu com temor. Isto me deixou chateado. De verdade. E foi uma experiência pontual.
Agora imaginem enfrentar este tipo de preconceito o TEMPO TODO, TODOS OS DIAS?
Mas é difícil nos colocarmos na pele do outro. Mesmo quando nos julgamos esclarecidos, repletos de empatia.
O que me faz lembrar de outra historinha: há algum tempo, uma amiga me pediu indicações de cinema em São Paulo. Falei de alguns na Consolação e ela perguntou se não era perigoso passar por ali à noite. “Que nada”, respondi. “Durante a mostra, estou cansado de subir a Augusta por volta de uma da manhã e nunca aconteceu nada.”
“É, mas eu sou mulher”, ela disse.
Foi um daqueles momentos de clareza súbita. Claro, Eu não temia a região à noite porque não sabia o que era viver com medo de ser estuprado ou de sofrer outros tipos de assédio. Do alto de meus privilégios como homem branco (já que também não temia ser abordado à toa pela polícia por ter “aparência suspeita”), encarava minha experiência do mundo como algo universal, quando estava longe de sê-lo.
Saber-se uma criatura de privilégios pode ser chocante. E triste. Faz com que percebamos por que tantos falam de “meritocracia” e criticam feministas e ativistas negros e LGBT: porque não fazem ideia do que mulheres, negros e gays enfrentam TODO DIA.
Como homem branco, acordo todos os dias para um mundo receptivo às minhas ideias, à minha presença e sempre preparado para me recompensar por qualquer esforço que eu faça sem antes resistir às minhas ações por me julgar inferior.
E é por isso que precisamos seguir combatendo. Debatendo. Espalhando a semente da tolerância, da empatia, da aceitação da realidade do outro.
Porque, no final das contas, somos todos os mesmos – ou deveríamos ser. Mas precisamos mais do que hashtags para alcançar isso. Muito mais.

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